quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Este texto abaixo foi escrito por Carlos Drummond de Andrade no livro Antologia poética.

Aos novos leitores

Nasci em Itabira, Minas Gerais, em 1902, e o meio físico e social de minha terra marcou-me profundamente. Pertenço à classe média brasileira. Ganhei a vida como funcionário público e jornalista. Dediquei-me à literatura por prazer. Hoje que estou aposentado naquelas duas atividades, posso considerar-me escritor profissional, pois a fonte principal do meu sustento  resulta do fato de escrever e publicar livros, que o público tem recebido com simpatia.
Meus livros são de prosa e de poesia. Na primeira categoria, os textos compreendem contos, crônicas e algumas tentativas de crítica literária. Ligue-me na mocidade ao movimento modernista brasileiro, que se afirmou em São Paulo, em 1922, e que deu maior liberdade à criação poética. Liberdade que não é absoluta, pois a poesia pode prescindir da matéria regular e do apoio da rima, porém não pode fugir ao ritmo, essencial à sua natureza. Há muitas experiências de vanguarda, procurando abolir tudo que caracteriza a arte da poesia, mas ninguém até hoje conseguiu acabar com a melodia e a emoção do verso autêntico.
Fui muito criticado e ridicularizado quando jovem. O meu poema  “No meio do caminho” , composto de dez versos, repete de propósito  sete vezes as palavras “meio” e “caminho” . Isto foi julgado escandaloso; hoje o poema esta traduzido em 17 línguas, e me diverti publicando em livro de 194 páginas contendo  as descomposturas mais indignadas contra ele, e também os elogios mais entusiásmaticos. Achavam-me idiota ou palhaço; suportei os ataques porque ao mesmo tempo que recebia o estímulo de meus companheiros de geração e de pessoas mais velhas, nas quais depositava confiança, pela capacidade intelectual e pela honestidade de julgamento que as distinguiam.
Atualmente, a maioria das opiniões é favorável à minha poesia, e direi até que há talvez excesso de benevolência com relação a ela. Não tenho pretensão de ser mestre em coisa alguma, e conheço minhas limitações. Depois de praticar a literatura durante mais de 60 anos, publicando 16 livros de prosa e 25 de poesia, não cultivo ilusões, mas continuo acreditando com o mesmo fervor na beleza da palavra e no texto elaborado com arte.
Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição.

                                                                                                              Carlos Drummond de Andrade

Postado por Murilo Henrique Donini

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