quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Poema de Carlos Drummond de Andrade:
PERGUNTAS

Numa incerta hora fria
perguntei ao fantasma
Que a força nos prendia,
Ele a mim, que presumo
Estar livre de tudo,
Eu a ele, gasoso,
Todavia palpável
Na sombra que projeta
Sobre meu ser inteiro:
Um ao outro, cativos
Desse mesmo princípio
Ou desse mesmo enigma
Que distrai ou concentra
E renova e matiza,
prolongando-a no espaço
uma angustia do tempo.

Perguntei-lhe em seguida
o segredo do nosso
convívio sem contato,
de estarmos ali quedos,
eu em face do espelho,
e o espelho devolvendo uma diversa imagem,
mas sempre evocativa
do primeiro retrato
que compõe de si mesma
a alma predestinada
a um tipo de aventura
terrestre, cotidiana.

Perguntei-lhe depois
por que tanto insistia
nos mares exíguos
em distribuir navios
desse calado irreal,
sem rota ou pensamento
de agir qualquer porto
princípios e naufrágio
mais que a navegação ;
nos frios alcantis
de meu serro natal
desde muito derruído,
em acordar memórias
de vaqueiros e vozes,
magras reses, caminhos
onde a bosta de vaca
é o único ornamento,
e o coqueiro-de-espinho
desolado se alteia.

Perguntei-lhe por fim
a razão sem razão
de me inclinar aflito
sobre restos de restos,
onde nenhum alento
vem refrescar a febre
deste repensamento ;
sobre esse chão de ruínas
imóveis e militares
na sua rigidez
que o orvalho matutino
já não banha ou conforta.

No voo que desfere,
Silente e melancólico,
Rumo da eternidade,
Ele apenas responde
(se acaso é responder
A mistérios mais alto) :

Amar, depois de perder

Postado por Murilo Henrique Donini
Livro:

Nenhum comentário:

Postar um comentário